sábado, 17 de novembro de 2012

Cisne Negro (2010)





Crítica feita por: Guilherme Dias Araujo

   Indubitavelmente um dos diretores mais geniais dos últimos anos, Darren Aronofsky criou aqui, potencialmente, sua grande obra-prima (para acompanhar seu inesquecíveis filmes anteriores: o instigante “Pi”, o perturbador “Réquiem para um Sonho”, o lindo “Fonte da Vida” e o trágico “O Lutador”). Com “Cisne Negro”, Aronofsky se firmou como um cineasta que vai ficar na história do cinema ao lado de gênios como David Lynch (assim como Paul Thomas Anderson traz muito de Stanley Kubrick).


   Revelando-se um estudo primoroso de personagem, o filme acompanha a sufocante vida da bailarina Nina (Natalie Portman se perdendo no papel), que depois de anos sendo coadjuvante em uma companhia de balé finalmente tem a chance de protagonizar um espetáculo, no caso, “O Lago dos Cisnes”. Porém, Nina é pressionando fervorosamente por seu coreógrafo Thomas (Vincent Cassel, excelente) e é ameaçada pela chegada de uma vivaz nova bailarina à companhia, Lily (Mila Kunis, se revelando). À partir daí, Nina é consumida cada vez mais por situações assustadoras que não sabe se é realidade ou não.




   O roteiro primoroso constrói perfeitamente a vida inteira de Nina por detalhes e sugestões sempre importantes e que se utilizam da sutileza: como os diálogos e tensão sempre presente com a mãe (repare na preocupação crescente com os machucados de Nina); o modo infantil como a mão a trata (vide as trocas de roupa ou os cortes de unha); o modo ingênuo como Nina passa maquiagem (com destaque para um batom vermelho para tentar mudar a ideia de um personagem); e até o modo como Nina come e seus vômitos recorrentes. Somente de fornecer relapsos desses momentos, Aronosfky e os roteirista consegue nos demonstrar a psique problemática de Nina de modo inteligente e sutil, sendo completamente necessário para que compreendamos tudo o que veremos a seguir.



   Aronofsky chega à perfeição ao sempre colocar espelhos, vidros e reflexos sem se tornar óbvio ou exagerado, já que usa com finalidade (como no quarto de Nina, no camarim ou na academia) e com propósito lógico de rimar com a turbulência emocional de Nina (quem viu o filme, vai entender). Sempre preferindo a câmera na mão, Aronofsky consegue criar um clima pesado de desconforto durante todo o filme, conseguindo encontrar o ritmo perfeito entre os momentos mais intimistas de Nina (focalizando muitos seus rosto e expressões em locais mais desertos e fechados) e os momentos de maior desorientamento (como a cena da boate cheia de luzes, flashes e música pesada). Além disso, o filme utiliza de forma envolvente a bela trilha sonora de Clint Mansell, que, fluido e fundido com “O Lago dos Cisnes” de Tcaiskovisky, consegue climatizar os momentos certos com rimas poéticas da própria obra. Já o uso de efeitos visuais lembra o LINDO “Brilho Eterno de Uma mente sem Lembranças” por servir estritamente à narrativa e ao desenvolvimento da personagem, nunca se findando em si mesmo (e os efeitos são CHOCANTES em sua beleza e horror estético, mas, principalmente, ao poetizar tematicamente - assim como os melhores momentos de David Cronenberg). Outro detalhe que comprova o preciosismo de Aronofsky é nos dar a sensação da paranóia de Nina com detalhes sempre presentes, naturais, mas que se tornam importantes posteriormente (como os olhos nos desenhos da mãe de Nina, a ferida em suas costas e seu prurido recorrente). Por último, é importante frisar a preocupação que o diretor teve de nos aprofundar naquele universo dos bailarinos, mostrando suas técnicas de melhorar as sapatilhas, focalizar os pés e pernas sempre tensos e, por vezes, lesionados e não nos privar de ver lances dos ensaios.

Mas o roteiro fabuloso em seu aprofundamento psicológico desenvolvido de forma visceral, e a direção sensível e selvagem de Aronofsky ainda são aperfeiçoados pela interpretação MAGISTRAL de Natalie Portman. 


    Se perdendo completamente no papel (Nina é completamente diferente da APAIXONANTE Alice de “Closer”, ou da Princesa Amidala de “Star Wars” ou da garotinha precoce de “O Profissional”), Natalie Portman nos convence desde a maravilhosa cena inicial (quando Aronosfky faz questão de mostrar só os pés da bailarina e depois mostra se tratar de Natalie Portman, como um plano sequência). Sempre introvertida, com baixo tom de voz, feições sofridas e tímidas e uma magreza patológica, Portman cria a figura física perfeita para a delicadeza, frustração e vulnerabilidade de Nina. No lado psicológico, Portman consegue exprimir um turbilhão de sentimentos somente com olhares, expressões, sorrisos ou a falta de (repare no olhar confuso e temeroso ao reparar em seus misteriosos machucados; no olhar preocupado para a mãe ao vê-la reparando suas estranhezas, ou ao confrontá-la em momentos de raiva; ou até seu sofrimento intenso ao não suportar as pressões de seu coreógrafo quanto ao Cisne Negro – o choro reprimido em determinado momento, ou até a preocupação com a substituição, demonstra a grandeza de seus detalhes expressionais).


    A verdade é que Portman se entrega com tanta paixão e vontade em Nina que desde o primeiro segundo não temos dificuldade em vê-la como uma artista que, literalmente, vive pela sua arte, enfrenta um sofrimento tremendo pelas dificuldades ao realizar seu sonho, enfrenta a infantilização de sua mãe ao mesmo tempo que tenta crescer como mulher. Uma jornada monumental pela psicologia dessa personagem.
Portman é dona incondicional do filme, mas, poucas vezes, um time de coadjuvantes esteve em tanta sintonia. Vincent Cassel dá credibilidade como profissional preocupado com seu espetáculo, convencendo que sua crueldade e ações questionáveis (um dos ensaios, que começa como uma cena de paixão, se revela uma humilhação repulsiva) são para o crescimento técnico e sua arte. Mila Kunis (LINDA) nos faz esquecer de sua verve comediante (graças a “That 70’s Show”) e enigmatiza uma personagem que serve de espelho (olha ele aí), rivalidade e projeção das perturbações de Nina, sempre com forte presença sexual e ameaçadora. Já Barbara Hershey (atriz veterana) consegue enfatizar a mãe de Nina com uma doçura mesclada à paranoia de forma muito inteligente (o tom de voz é sempre suave e amável, mas repare em suas duras expressões ao tentar ver o que a por trás de Nina). A atuação detalhista de Hershey consegue deixar MUITO claro a relação obsessiva de Erica com Nina.



   Ponto positivo para o figurino que consegue dizer MUITO sobre os personagens modificando tons mais escuros de claros e acompanhando a transformação psicológica de Nina. A fotografia fabulosa de Mathew Libatique também é LINDA ao ilustrar a confusão de sentimentos, personalidades e teor sombrio com fusão de clareza, obscuridade e sombras.


   Descontroladamente intenso, envolvente e poético, “Cisne Negro” é uma das experiências cinematográficas mais LINDAS e gratificantes que os cinéfilos, ou não, tiveram nos últimos anos. Um filme de terror psicológico que desenvolve sua BRAVA protagonista com a utilização INTELIGENTÍSSIMA de aspectos psiquiátricos em torno de sua personalidade e obsessão. E depois de tantas experiências perturbadoras, tudo soa MAGNIFICAMENTE orgânico em sua BELÍSSIMA e EMOCIONANTE mensagem final. Uma OBRA-PRIMA!




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2 comentários:

  1. Nossa maravilhosa critica desse filme, fiquei impressionado com a riqueza da escrita, entramos um pouco assim no filme, parabens, com certeza vou ver esse filme, e desde já sei que vou me deliciar!!!

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  2. Muito obrigado pelos elogios Marcelo Alvim!
    Assista ao filme sem medo, é um filme riquíssimo. Tenho certeza que irá adorar!
    Abraços.

    Guilherme Dias Araujo

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